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Julio Pompeu: ‘A festa e a fresta’

Julio Pompeu (*) –

Nas crises, os ânimos egoístas afloram de um modo diferente. São como flores que desabrocham o ano inteiro, mas que em determinada época a florada é mais vistosa e exuberante. Nas crises, os egoísmos são exercidos com orgulho e as soluções mais engenhosas para passar a perna em alguém se tornam gloriosa esperteza.

Doutor Goffredo Almada Soares Bragança… – são muitos os sobrenomes – chegou à reunião com a empáfia que lhe era habitual. Tinha um ar de tranquilidade típico de quem aprendeu a aparentar indiferença e tranquilidade mesmo em situações muito difíceis. Fazia parte de seu protocolo de superioridade.

Com um gesto displicente, autorizou o início da reunião. O jovem executivo, de cabelos volumosos e diploma de universidade americana, começou a exibir gráficos e falar de coisas de dinheiro com termos em inglês. Doutor Goffredo Almada Soares Bragança… ouvia com o olhar de condescendência que se tem para com uma criança que exibe sua peça de teatro trepada nos móveis da sala.

Agradeceu sem tecer comentários aos fatos e falas do rapaz engomado. Com fria polidez, ordenou que ficasse na sala de reuniões apenas os dois executivos mais graduados. Um deles arriscou iniciar o assunto, imaginando que aquela seria a hora de discutir o que fazer diante do cenário ruim mostrado nos gráficos do jovem executivo. “Doutor, como o desemprego está em baixa e o crescimento do PIB força um aumento de preços, creio que deveríamos…”. Com um gesto, Doutor Goffredo Almada Soares Bragança… o interrompeu.

Acendeu um charuto e deu uma contemplativa baforada enquanto os dois permaneciam guarnecendo o silêncio. “Nada disso é relevante agora. Já falei com o senador e o mandei garantir nosso monopólio. Tudo isso, agora, é problema dos outros. Para nós, vai ser uma festa…”.

O senador chegou atrasado para a reunião. Os empresários já o aguardavam há 40 minutos em seu gabinete. Culpou o trânsito de Brasília. Por hábito, nunca se desculpava, nem assumia culpa por nada. Havia irritação no ambiente. “O senhor sabe porque estamos aqui. Este projeto de lei não pode passar. Se criar este monopólio você vai nos quebrar”.

O senador soltou uma inesperada gargalhada. Desconcertou os empresários que esperavam dele uma postura defensiva. Parecia cinismo. “Esta lei não vem sozinha. Já acertei com as lideranças daqui e da Câmara estes subsídios, vocês não terão com o que se preocupar. Podemos festejar!”.

Geraldo assistiu a moça da TV falando de novidades na economia. Subsídios para empresas. Um ministro dizia que seria muito bom para a economia, porque geraria empregos. Comentarista de sotaque paulistano comentava o de sempre, que tudo que é bom para os ricos é bom para todos porque é renda e tudo o que é bom para pobres é ruim para todos porque é custo.

Geraldo não é trouxa. Aprendeu rápido na vida que esta ligação entre quem está por cima e quem está por baixo não é assim. Sabe que quem está por cima o está por cima dos outros e que manter-se no alto se faz assim, sobre os ombros de indigentes. Geraldo nunca esperou nada das elites. Nem educação, nem saúde, nem justiça. Esta última então, não só não espera como não quer porque sabe que a justiça é cega, mas que tem um olfato bem apurado e sabe quem não cheira bem como os do andar de cima.

Também não liga para os números ruins da economia. Crise só é crise quando chega no seu bolso. Esforça-se por defender o seu. Não paga imposto. Compra coisa roubada. Se vacilar, ele leva. Sobrevive do seu jeito, na corda bamba entre a dignidade e a patifaria. Sabe que seu lugar são as frestas, os becos. Lugares por onde as leis não passam porque, geralmente, são feitas mais contra do que para ele.

(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.

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