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O Mercado dos pesadelos, por Reinaldo de Mattos Corrêa

Reinaldo de Mattos Corrêa (*) –

Era uma vez uma pequena cidade com o nome de peixe, onde as manhãs eram marcadas pelo aroma de frutas frescas e pães recém-assados que vinham das feiras municipais. As barracas coloridas se espalhavam pela feira-livre central como um arco-íris caído do céu. Era ali que os moradores buscavam não apenas alimentos, mas também histórias, risadas e a sensação de pertencimento.

Mas, à medida que o tempo passava, algo estranho começou a acontecer. Os preços dos produtos subiam de forma inexplicável. Um cacho de bananas, que antes custava dois reais, agora era vendido por dez. O quilo de tomates, outrora acessível, havia triplicado de preço. E ninguém parecia questionar.

A história começa com Dona Mariana, uma senhora viúva de 65 anos, conhecida pela bondade e sabedoria. Ela era uma frequentadora assídua da feira, sempre comprando ingredientes às receitas tradicionais, que alegravam as tardes de domingo na casa dela. No entanto, nas últimas semanas, ela notou que o dinheiro não era mais suficiente para encher a sacola de mantimentos.

“Isso não está certo”, murmurou Mariana enquanto pesava uma dúzia de ovos que agora custava cinco vezes mais do que no mês anterior. “Como pode o preço subir tanto em tão pouco tempo?”

Curiosa e determinada, Mariana decidiu investigar. Ela começou observando os feirantes. Notou que alguns deles trocavam olhares cúmplices quando os clientes hesitavam diante dos preços exorbitantes. Outros simplesmente inventavam desculpas: “Está caro porque houve seca”, diziam uns. “É culpa do aumento do combustível”, justificavam outros. Mas Mariana conhecia bem o ciclo agrícola da região. Não havia seca. E o diesel para transporte de mercadorias sequer havia sofrido grandes aumentos.

Um dia, enquanto caminhava entre as barracas, Mariana encontrou Seu José, um antigo feirante que vendia legumes e verduras orgânicos. Ele era diferente dos demais: simpático, honesto e sempre disposto a explicar de onde vinham os produtos. Ao perguntar sobre os preços absurdos, ele suspirou profundamente.

“Mariana, minha querida, isso aqui virou um jogo sujo. Alguns desses ‘feirantes’ nem são produtores rurais de verdade. Eles compram mercadorias baratas no atacado e revendem aqui com margens absurdas. E sabe o pior? Ninguém fiscaliza.”

Mariana ficou chocada. “Mas e a prefeitura? Não deveria haver inspeção?”

Seu José balançou a cabeça. “Deveria. Mas parece que ninguém se importa. A burocracia é grande, e a fiscalização é mínima. Então, esses aproveitadores fazem o que querem.”

Movida por indignação e coragem, Mariana resolveu agir. Ela começou organizando uma reunião com outros moradores da cidade. Contou-lhes o que havia descoberto e incentivou todos a pressionarem a prefeitura por respostas. Juntos, eles criaram um grupo chamado “Feira Justa”, cujo objetivo era exigir transparência nos preços e garantir que apenas produtores locais genuínos tivessem espaço na praça.

No início, enfrentaram resistência. Alguns feirantes tentaram intimidá-los, espalhando boatos de que Mariana estava “inventando histórias”. Outros acusaram-na de querer prejudicar o comércio local. Mas Mariana não desistiu. Ela sabia que a verdade estava do lado dela.

Finalmente, depois de meses de luta, a prefeitura cedeu. Uma equipe de fiscalização foi enviada à feira para verificar licenças, origens dos produtos e tabelas de preços. Muitos feirantes foram multados ou expulsos por práticas abusivas. Os verdadeiros agricultores, como Seu José, voltaram a prosperar, e os consumidores recuperaram a confiança.

A moral da história é clara: quando falta fiscalização, abre-se espaço para abusos. Na cidade com o nome de peixe, a luta de Mariana mostrou que a vigilância pública é fundamental para garantir justiça e equidade. Sem ela, até mesmo um lugar tão aparentemente simples quanto uma feira municipal pode se transformar em um mercado de pesadelos.

E assim, a feira-livre central voltou a ser o coração pulsante da cidade, onde o cheiro de frutas frescas e o som de conversas calorosas ecoavam novamente – desta vez, sem o peso de preços injustos.

*Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.

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