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‘Eu e minha solidão’, por Elairton Gehlen

Elairton Gehlen – escritor –

Hoje é sexta-feira e eu estou feliz porque já escrevi uma cartinha para alguém que não conheço e eu não estou só porque a solidão está me fazendo companhia, nem mesmo o portão da frente de casa tem coragem de se abrir e as notícias que vem da Cidade Maravilhosa são uma ameaça para minha zona de conforto. Maravilhosa é a solidão que nunca abandona, às vezes peço um tempo e ela fica sentada no sofá. “Já terminou? ” Ela me pergunta enquanto morde o primeiro pedaço da maçã, languidamente, e abre dois botões da blusa para ver se me perco entre as palavras cruzadas que escrevo e a sua linguagem corporal, daí ela me olha com desejo e diz: “WWW:…”. Não! Respondo com raiva, meus olhos estão ressequidos de te ver no computador. Volto meus olhos para a carta e dou um clic em “enviar”, subitamente a solidão se esvai como fumaça e eu posso me sentar no sofá e ver um filme: The Guernsey Literary Society and the Potato Peel Pie (A sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas), um ótimo filme! 

Esse filme (The Guernsey Literary Society and the Potato Peel Pie) é quase tão bom quanto a vida real, parece que estamos sempre sendo invadidos por algum exército estrangeiro e quando somos flagrados em um maravilhoso delito de prazer achamos logo uma desculpa e fundamos um clube de leitura. Meu clube já tem cinco membros associados no SLOWLY. Nenhum tem nome verdadeiro e cada um mora num país diferente, com exceção do Brasil onde, além de mim tem mais uma leitora. Lemos as cartas um do outro como se fossem escritas por um parente distante, às vezes parecem ter sido produzidas por alguém mais experimentado nas letras, quem sabe um escritor, um poeta… Estamos sempre sonhando com uma vida melhor para nós mesmos e nem queremos saber se os nazistas ainda estão lá fora, isso é para a vida real. Como em Guernsey, quem sabe algum dia iremos, secretamente, assar um porco roubado ao sistema e saborear as delícias alucinógenas das nossas drogas artesanais produzidas em dezenas de páginas escritas sem nenhum compromisso.  

Meu compromisso mais importante é exatamente não ter compromisso. Eu ainda não atendi o pedido da Mara que quer que eu escreva uma poesia. Talvez uma carta fosse mais fácil, cartas carregam informações de quem as remete, já poesias, estas precisam dos sentimentos do destinatário. Sim, eu digo para mim mesmo e ouço a presença da ausência cavando um buraco dentro do meu coração, enfio a mão dentro dele e delicadamente vou puxando o fio da meada, uma após outra vem as desilusões rindo de mim, coloco-as sentadas sobre a mesa do computador e, em ordem cronológica vou escrevendo elas nos meus textos até que não haja mais lugar para a solidão, daí abro o SLOWLY para avisar que ainda estou vivo mas ninguém acredita. Eu não sou louco, só não quero me comparar aos que se dizem normais, é quase patético ser normal e acreditar que o tempo deve ser aproveitado para produzir riquezas para os que são ricos, isso é risível! Não os ricos, mas o tempo, este não existe a não ser no passado ou no futuro. O tempo presente é uma fração infinitamente pequena, tão pequeno que nem sequer dá para medir e é nele que eu coloco todas as minhas energias para não fazer nada mais do que tentar saber se você quer ficar comigo.  

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