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Câmara Municipal nunca se desculpou pelos abusos cometidos em Dourados

Ditadura militar – 29/04/2011

 
                                      Helton Costa
 
            Os arquivos da Câmara Municipal de Dourados guardam manchas históricas da cidade que até hoje não foram apagadas. As famílias de dois vereadores que tiveram o mandato cassado no ano de 1964 por conta da Ditadura Militar sem direito justo de defesa, até hoje não receberam sequer um pedido oficial de desculpas da Casa de Leis.
            A história está registrada no livro “Dourados: memórias e representações de 1964”, da professora Suzana Arakaki. Ela conta que enquanto o Golpe fazia suas vítimas por todo o Brasil, o mesmo acontecia em Dourados com aqueles que eram considerados inimigos do Regime. “Somente quase três meses após o Golpe, na edição de 24 de junho de 1964, é que começaram a ser publicadas as primeiras notícias de prisão de inúmeras pessoas”, comenta a historiadora.
            As notas vinham assinadas pelo Coronel Alfredo Aristarcho Leygrand Marquesi, do 11° Regimento de Cavalaria de Ponta Porã, para onde eram mandados alguns dos presos pelos golpistas. Essas pessoas eram presas apenas por suspeitas de não concordarem com os militares, por serem acusados de comunistas ou de subversão.
            O vereador Gumercindo Bianchi foi um desses presos. Ele teve o mandato cassado pelos “colegas” do Legislativo simplesmente porque era do PTB, partido de Leonel Brizola que foi contra o golpe militar. Outro cassado pelo mesmo motivo foi Janary Carneiro Santiago.
            Outras pessoas ligadas ao PTB também foram presas, entre eles, João da Câmara, Moacir Djalma Barros e Atílio Torraca, que foi interrogado pelas autoridades policiais. Colonos também não foram poupados. Em Itaporã o leiteiro José Veríssimo de Oliveira teve a casa vasculhada, os pertences quebrados e a família humilhada apenas porque tinha um calendário com uma paisagem campestre com crianças e cavalos e um jornal que falava de reforma agrária. Foi o suficiente para ser considerado material comunista.
Os vereadores cassados
            O Golpe Militar aconteceu em 31 de março e na 49ª Sessão da Câmara, naquele mesmo dia, quando não se sabia ao certo o que se passava na Capital Federal, o vereador Ivo Cersósimo (que hoje é nome de rua), propôs um manifesto que obrigasse o Congresso Nacional a combater o Partido Comunista com as forças que se fizessem necessárias. Isso gerou um grande debate na Casa.
            Janary Carneiro Santiago, João de Deus Mello e Gumercindo Bianchi não concordaram com a proposta e votaram contra a proposta. Janary foi ainda mais incisivo contra o documento de Cersózimo e disse que o vereador não tinha autoridade para falar do que não conhecia, já que nunca havia estado em um país que fosse comunista, e disse ainda que antes de criticar, era preciso experimentar. A Câmara estava lotada naquele dia.
            Bianchi por sua vez disse que o Partido Comunista era necessário à um regime democrático e que o partido tinha o direito legal de existir. Depois disso os ânimos se acirraram e os dois passaram a ser taxados de comunistas.
            Janary foi ainda mais ousado para a época e denunciou o delegado local de realizar prisões ilegais e ações truculentas contra colonos. O vereador era conhecido por representar os posseiros e recém chegados à Colônia Agrícola Nacional.
            Na sessão seguinte Cersózimo pediu a cassação de Janary e Ataulfo de Mattos a de Gumercindo. Motivo: simpatia com o comunismo. Automaticamente, em um lance aparentemente combinado, o presidente da Câmara Jofre Damasceno nomeou uma comissão processante para cuidar do caso. A comissão era formada por Décio Rosa Bastos, Ismain Audi, que na sessão anterior tinha sido favorável a decretar a ilegalidade do Partido Comunista e por Ataulfo Mattos.
O julgamento
            Gumercindo e Janary nem foram à sessão, já imaginavam o que lhes aguardava. A próxima sessão da Câmara, começou direto o julgamento dos acusados. Dessa vez Gumercindo foi, Janary não.
            Sem direito à defesa, passando por cima de direitos jurídicos, foi apresentada a transcrição da sessão em que os vereadores discutiram, um depoimento de Janary à Polícia Civil e Declaração de Inexistência das declarações que o vereador lera na polêmica sessão. O presidente da Câmara pediu 48h para que os acusados se defendessem, porém, a ata da sessão não registra a aceitação.
            Bianchi estava ali e fez sua defesa, dizendo que não era comunista e que apenas queria que o “partido comunista desligasse (sic) dos demais existentes neste país, para melhor acatamento das autoridades competentes”.
            Janary não estava na Câmara porque estava preso junto de Harrison de Figueiredo. Prenderam tantas pessoas na cidade que até o Parque de Exposições de Dourados (que ficava localizado nos altos da avenida Marcelino Pires, na Cabeceira Alegre) foi usado como cadeia.
O prefeito
            O prefeito na época era do PTB. O nome dele era Napoleão Francisco de Souza. Ele só não foi preso e perdeu o cargo porque era respeitado pelos locais, uma vez que lutara na Força Expedicionária Brasileira – FEB na Segunda Guerra Mundial, na Itália, contra nazistas.
            Partidários da UDN, o partido dos militares, foram até a prefeitura exigir que ele renunciasse. Ele pediu que o grupo voltasse mais tarde, quando entregaria o cargo. Enganou os golpistas e foi direto para Campo Grande onde pediu intervenção do Comando do Exército e disse que se tivesse que sair do cargo, seria o Exército e não um grupo de agitadores quem o obrigaria.
            Voltou de viagem escoltado por 25 soldados e ninguém se atreveu a reivindicar o cargo novamente. Conseguiu terminar o mandato e contam familiares que vivia intercedendo por presos políticos locais.
Outros presos
            São nomes citados como pessoas detidas pela polícia na época: João Totó Câmara, Altair da Costa Dantas e João Beltran. Marina Evaristo Wenceslaum, professora, foi detida por comprar uma mesma revista semanalmente. Todos foram ouvidos e liberados em seguida.
            Em 1978 Antônio Luiz Lachi, Kioshi Hachi e Wilson Biasotto foram demitidos por suspeitas de simpatia ao comunismo. Antes deles, José Luis Sanfelice e Ivan Aparecido Manoel tinham ido para a rua pelos mesmos motivos.
Caçadores de Comunistas
            Em entrevista que fez com Atílio Torraca, Arakaki apontou alguns “caçadores de comunistas” em Dourados, que mesmo não sendo da Polícia, “ajudavam” a prender quem era contra o regime ou pelo menos suspeito de simpatizar com idéias comunistas. Até hoje nenhuma família, nem dos vereadores, nem dos demais civis presos injustamente recebeu qualquer pedido de desculpas do Município. Na segunda parte desta reportagem, na semana que vem, serão ouvidos descendentes de alguns dos citados nessa matéria.
 

Fonte: Folha de Dourados

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