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“Marangatu – Dois Mitos Guarani”, de Brígido Ibanhez, é lançado no Rio

16/06/2015 09h32

“Marangatu – Dois Mitos Guarani”, de Brígido Ibanhez é lançado no Rio

Por: Folha de Dourados

Em guarani, o termo “Marangatu” significa “o Sagrado, o Divino”.

Enquanto um romance (Martí, sem a luz do teu olhar) do escritor sul-mato-grossense radicado há décadas em Dourados, Brígido Ibanhez, foi retirado das escolas municipais, uma outra obra de sua autoria é lançada pela Cortez Editora e Livraria no 17º Salão da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) que está sendo realizado no Rio de Janeiro (RJ).

De acordo com o autor, “Marangatu – Dois Mitos Guarani” se passa no Cerro Marangatu está localizado junto à Serra de Maracaju, no sudoeste do Estado do Mato Grosso do Sul, e, conforme antiga profecia, no dia que os guaranis forem expulsos dessa localidade, o mundo estará acabado. De fato, a resistência desse povo no local já rendeu um dos maiores mártires da luta pela preservação das tradicionais terras dos seus ancestrais, o guarani Marçal de Souza, morto por fazendeiros na região do Piracuá. Assim surge o título e o subtítulo da obra: “MARANGATU – Dois Mitos Guarani”.

A nação guarani foi a maior e muito poderosa na América do Sul, tendo conseguido o respeito até do imperador Inca. Seu modo de viver e sua língua, o onomatopaico guarani, foram raízes para muitos dos nossos costumes e para outras tantas denominações toponímicas. Nas brumas do tempo se perdem a origem, a língua e as tradições guaranis.

O estudo linguístico nos revela que o avañe’ê, o idioma guarani, remonta aos primórdios da humanidade, quando sons primitivos originaram a formação de fonemas e a seguir o surgimento de uma linguagem falada. A batida da mão fechada no peito desnudo originou o som de tê, o corpo humano. A batida da mão espalmada criou o pô, a própria mão. Do som gutural emitido por quem está com sede originou-se y, a água; daí yvy, a terra, que representa a fusão de y + guy (água + por baixo), isto é, o que existe por baixo da água: a terra. Assim indefinidamente os sons se multiplicam e se aglutinam numa musicalidade telúrica.

Ao final, como não poderia deixar de ser, essa musicalidade evolui para uma forma poética de expressão. Nunca uma língua aglutinou tantas emoções, mesmo nas expressões mais cotidianas. Esta linguagem é o que busco reproduzir ao compor em português as lendas do “Jasy Jatere, o Filho da Lua”, e de “Kyvy Mirim, o curumim Pombero e o pé de tarumã”.

Todas as palavras são, com algumas exceções, oxítonas, como no francês.

JASY JATERE

A lenda do Jasy Jatere foi conhecida pelos primeiros colonizadores, que, com uma visão mais idiossincrática, adaptaram-na ao seu universo com o nome de Saci Pererê; o Jasy Jatere, que tem cabelos vermelhos, queimados pelo sol, usa enorme chapéu de palha, toca uma flauta de ouro e voa no meio da ventania formada por um redemoinho de passarinhos, foi adaptado e apresentado, por força da escravidão, como um negrinho de gorro vermelho, com cachimbo na boca, uma perna só e que se movia no meio de um redemoinho. Na lenda, Jasy Jatere, ao mesmo tempo em que perambula pela floresta, se enamora de Ypoty (Flor da Água); certo dia, a formosa guarani vai se banhar no rio e, cobiçada por Pytumbyte (Senhor da Escuridão Total), é atacada; Jasy chega em seu socorro e ataca, com os raios de Cuarahy (o Sol), o espírito do mal, que vencido se retira humilhado, jurando vingança. Um menino arteiro, que não gosta de Jasy, descobre na mata um grupo de homens maus; então, Pytumbyte, vendo sua chance de vingança, aproxima o menino dos predadores, que lhe dão vinho, embebedando-o. Sem forças para reagir, o pequeno embriagado mostra o caminho da aldeia aos invasores, que a atacam, e matam o pai de Ypoty. Jasy aparece e, enfurecido, extermina alguns e bota para correr o restante dos homens maus. Jasy e Ypoty formam, então, família, e vivem juntos na floresta, e constituem numerosa prole; de vez em quando os seus aprontam nas casas alheias,

“Na quietude da floresta, na hora sagrada da sesta, os duendinhos filhotes, escondidos pelas roças, preparam os seus trotes e os feitiços para as moças.

Azedam o leite na cozinha, esfarelam a rapadura. Aprontando travessuras, entornam o farnel da farinha puxam as penas das galinhas e castigam os fedelhos que não respeitam os mais velhos.”

KYVY MIRIM

Com relação ao panteão mitológico, a cultura guarani não poderia deixar de ser também um baú de riquezas incalculáveis. Daí surge Kyvy Mirim (curumim), incorporando a entidade conhecida como o Pombero, com poderes de transfiguração e metamorfose. Kyvy Mirim também, como todos os guaranis, tem em seu nome resguardado uma interpretação mística existencial, e assim simboliza uma das essências do ser vivente, a alma que se move pelas emoções. Ele vive numa terra de abundância, conhecida como o “País do Centro da Terra”, tal como Peter Pan na “Terra do Nunca”. Detalhe, neste país os animais se comunicam com as entidades para lhes prestar auxílio e socorro. Tupã é o Deus Todo-Poderoso, à semelhança do Deus do Antigo Testamento dos judeus; pune, como todo pai, as desobediências dos filhos, e a recompensa é garantida aos nobres e valentes. Esta recompensa se manifesta através de dons e poderes incomuns que certos ava (pessoas), recebem e acabam se transformando em entidades da natureza, com seus vícios e virtudes como se humanos fossem. Kyvy, depois de um ritual realizado em torno do Ca´a Verá (a Arvore Sagrada), recebe os poderes do Pombero, que pode se tornar invisível ou se transformar em qualquer animal ou coisa. Após uma viagem de reconhecimento pelo Pantanal, ele descansa às margens do Rio Paraguai. Na proximidade, a bela Yvypoty (Flor da Terra) é seduzida pelo espírito do mal, Ava-Hovy, que desce pelo arco-íris para sequestrá-la. De imediato, Kyvy, o Pombero, se transforma numa sucuri gigante e ataca o inimigo, que foge para não perecer.

Ele, então, cuida da menina e dela se enamora. Para espiar a amada, se transforma num jabuti, que cai desajeitado ao tentar subir o barranco, e perde os sentidos; é a vez da menina-moça lhe oferecer seus cuidados.

Kyvymirim aos poucos volta a si.

Olha os lados, vê aqueles olhos cinza-azulados, cheios de encanto e preocupação.

E ali, deitado sobre o chão, num toque de magia, os corpos se aquecem em ondas de arrepios,
e o amor nasce ao desabrochar do dia.

Enamorados, espreitam o deslumbrante por do sol e a timidez das primeiras estrelas no firmamento, enquanto Kyvy conta para a amada como Tupã criou o mundo. Infelizmente, a felicidade do casal dura pouco, pois surgem na mata os inimigos das pessoas, dos animais e da natureza. Yvypoty cai prisioneira, e Kyvy fica transtornado; como um gavião parte à procura do acampamento dos homens maus. Quando o descobre, torna-se invisível e solta a amada da jaula de paus; um guaipeca de guarda, o fareja e a sentinela atira e o fere mortalmente. Nisso, os guaicurus cavaleiros, que estavam de prontidão, atacam e matam e afugentam os inimigos. Kyvy agoniza nos braços da sua amada, e vendo a morte lhe esfriar o corpo, promete para ela que irá se transformar, onde seu corpo for enterrado, em uma frondosa e imensa árvore, o pé de tarumã. Ela deve recolher suas folhas e preparar um chá que a deixará sempre bela, e, quando ela se aproximar para a colheita das folhas, ele vai lhe tomar do seu cheiro, com que irá o tarumã florir e perfumar as cercanias; uma troca de carinho eterno. E, assim, termina a lenda de Kyvy Mirim, o Pombero e o pé de tarumã.

A quantidade de entidades guaranis no panteão mitológico é ilimitada. Podemos citar como exemplos: Piragui, guardiã das grutas e dona dos peixes; Ava-Hovy, o senhor do arco-íris; Cuñambia, a dona das serpentes; Paxi-Guasu, o senhor das flechas; Pai-Tambeju, o senhor do fogo; Jacaíra, a dona das plantas; Araryvusu, o senhor das árvores, e muitas outras. Elas originam lendas, em que são descritas as batalhas entre as entidades do bem e do mal, as emoções profundas do ser humano, como o amor, e a presença indesejável do invasor, predador da fauna e da flora.

O Brasil pulsa o sangue guarani, mas, infelizmente, pouco conhecimento tem da cultura desse povo, principalmente das lendas, que são para os guaranis a origem das coisas da natureza, da qual eles extraem a sobrevivência. Por isso, conhecer as lendas da Mitologia Guarani é conhecer a própria essência nativa do Brasil. A obra revela mensagens de nativismo ecológico, de pureza cultural e valorização do nosso sangue guarani. É quase que obrigação de todos os brasileiros conhecerem, no mínimo, estas duas magníficas lendas, muito bem descritas em poemas e deslumbrantes ilustrações que saíram das mãos da artista plástica internacional, Márcia Széliga.

“Marangatu – Dois Mitos Guarani”, de Brígido Ibanhez, é lançado no Rio

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